3 poemas do livro Amanhã alguém morre no samba





3 poemas de 

Amanhã alguém morre no samba



- Douda Correria, Portugal, 2015 (prefácio de António Cabrita)

- Edições Macondo, Juiz de Fora, 2018 (apresentação de Valter Hugo Mãe)













é um milagre
fiz umas fotografias das ruas das gentes
nas ruas suas perucas suas roupas
suas décadas
cheguei a sentir saudade quando fiz
essa fotografia da mulher com berinjelas no colo
cheguei a sentir saudade de alguma coisa ali
tenho medo de voltar à fotografia
da mulher com as berinjelas
a vida toda vai ser isso de não voltar
nunca ao instantâneo
da mulher com as berinjelas no banco perto da praia
é muito bonita a imagem toda e cheia
de lembranças que não são minhas
a nuvem porém uma só nuvem miudinha e porém
se essa fotografia tivesse um nome chamar-se-ia nuvemporém
eu jamais voltaria lá nunca sozinha
ou desarmada
não eu jamais voltaria
o milagre é não voltar
a mulher estará
é um milagre
SE A MULHER BEIJA OS JOELHOS
ESPREME AS BERINJELAS
é um milagre ela saber e não fazer
eu não quero voltar
lá eu não volto
lá ela estará
não me obrigue a voltar
esse milagre é só meu
SE A MULHER BEIJA OS JOELHOS










o burro trota tão lentamente
perdido do nome gritado
carrega ovos nas mãos escondidas nas
mangas do casaco extralargo
coitado do burro com mãos
perdido da moldura antiga
pacífico de sua própria demência
bonito tão bonito pacífico tão lindo
lentamente ruma
já a casa de fé nos olhos de burro
parece um peixe coitado pacífico
tem esse jeitão de aquário trincado
gosta de cadeiras em geral
mas é boa gente
gosta de leite quente e de cadeiras
em geral
chega ao templo das irmãzinhas castanheiras do último dia
deixa os ovos no altar
faz carinho nos porcos
pega o microfone e repete
quase porque quase porque quase
tudo empilhado
quase porque quase porque quase porque
é mesmo um burro
queria ser pianista
tem muita fé quase porque tudo empilhado
mas é mesmo um lento burro de carregar ovos
pacífico todo pacífico demente e lindo
tão bonito tudo empilhado









em noites mais quentes fazemos chás
da primeira mansidão da noite quente
chás
ou então sopas
das folhas imóveis das pedras agitadas
mentira
é que faz-me falta ter o homem do adubo
é que faz-me falta ter a mulher do adubo
nas noites mais frias faríamos sorvetes
ou então mentiras
é que eu estou só
estou só
conheço tudo pelo tato
em noites amenas estou só e toco a campainha dos vizinhos e corro pra debaixo do lençol só

uns fios de estar só
uns fios de cabelo na boca e só

o peso dessa espera me puxa pra cama
a gravidade dessa espera faz-me mais
longa me joga aos postes
me empurra ao largo das borrachas infláveis

estou só
conheço tudo pelo tato
a mentira dos olhos ouvidos
o truque nos joelhos dos poetas

faríamos chás sorvetes mentiras sopas

















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